janeiro 26, 2023

Moeda comum já esteve nos planos de FH, Lula e Bolsonaro. Veja quem mais já defendeu a proposta

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Em junho de 1999, FH e presidente da Argentina, Carlos Menem discutiram moeda única para Mercosul, registra acervo do GLOBO Reprodução

Alguma coisa de bom, deve ter neste projeto, quase todos os presidentes queria essa moeda comum.

No dia 14 de janeiro de 2003, o recém-empossado presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva fazia a viagem inaugural do seu primeiro governo. Ao lado do então presidente da Argentina, Eduardo Duhalde, os dois governos emitiram um comunicado conjunto em que dizia que “instruíram seus representantes no Grupo de Monitoramento Macroeconômico a examinarem, em conjunto com os representantes dos demais estados-partes (do Mercosul), os passos necessários para a possível criação de uma moeda comum”.

Vinte anos depois, Lula voltou à Argentina, dessa vez no começo de seu terceiro mandato como presidente do Brasil. E levou como um dos principais pontos de debate, mais uma vez, a criação de uma moeda ou instrumento financeiro conjunto entre os países para negociações comerciais.

Chamada agora de sur, a moeda comum entre Brasil e Argentina — que, depois das discussões entre os políticos sequer consta da declaração entre os ministros da Fazenda dos dois países —, não é uma ideia nova.

Nomes que vão dos ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso, Jair Bolsonaro e José Sarney e economistas como Arminio Fraga e o ex-ministro Paulo Guedes já defenderam a divisa regional, que chegou a ser cogitada a valer mais que o dólar.

A criação de uma moeda para a América do Sul remonta à década 1980. O acervo do GLOBO registra quem em julho de 1987 os presidentes José Sarney e Raul Alfonsín lançaram o “gaúcho”, uma moeda comum para aumentar o intercâmbio comercial entre os dois países e fugir do dólar.

“O valor de cada ‘gaúcho’ será de pouco mais de um dólar”, prometia-se à época. Foi do presidente argentino Alfonsín a ideia de batizar a moeda como gaúcho (os argentinos diriam “gáucho”), um nome mais agradável que Umab (Unidade Monetária Argentino-Brasileira).

— Estamos conseguindo uma integração em nível econômico, tecnológico e cultural dos dois países inimaginável há três ou quatros anos — comemorou Sarney à época.

O gaúcho caiu no esquecimento, diante das dificuldades de avançar com a proposta, mas a ideia de usar menos o dólar para transações comerciais na América Latina permaneceu. Desde então, diversos nomes da política latina defenderam diferentes modelos de moeda para a região.

As propostas vão desde uma moeda única (como o euro, a ser adotada nos países do Mercosul). Passado por uma moeda comum (uma unidade para transações comerciais, sem substituir as cédulas nacionais). Ou simplesmente uma forma de fazer o comércio exterior sem usar o dólar.

Reduzir a dependência do dólar é apontada agora como a justificativa para, mais uma vez, avançar nas discussões sobre a integração financeira da região. Foi daí que vieram as discussões desta semana, diante da profunda crise na economia argentina e da dificuldade daquele país em converter o peso em dólar.

— Não estamos defendendo moeda única. Nós estamos defendendo uma nova engenharia, que não seja o pagamento em moedas locais, mas que não chegue ao estágio de unificação monetária — disse o ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

Haddad afirmou que quem defendia uma moeda comum seria Paulo Guedes, ministro da Economia do governo Bolsonaro. O ex-ministro, de fato, defendeu essa ideia em 2008. A moeda única da América Latina se chamaria peso-real, escreveu o economista na revista Época:

“A intenção de criar ao longo da próxima década uma forte moeda regional deflagraria um ciclo de reformas para assegurar a convergência de políticas tributárias, trabalhistas, previdenciárias, e assim por diante”.

No início da gestão anterior, em 2019, Bolsonaro chamou a ideia de sonho:

— Paulo Guedes nada mais fez do que dar um primeiro passo para um sonho de uma moeda única na região do Mercosul, peso real.

Quem também falou de sonho de moeda única foi o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que defendeu a integração monetária em mais de uma ocasião.


— No caso da Argentina, nós pelo menos podemos voltar a sonhar com a moeda única, para mostrar que temos interesses comuns — disse FH, em 2002.

O economista Arminio Fraga também falou no assunto quando era presidente do Banco Central. Em 1999, disse que via "com bons olhos, a longo prazo, a criação de uma moeda única no Mercosul" e a harmonização da política fiscal no bloco.

Todas as iniciativas de integração de moeda não avançaram. Uma moeda única, como o euro, precisaria de estruturas e instituições políticas compartilhadas em países com situações econômicas bastante distintas. A Argentina, por exemplo, luta contra a inflação há muito tempo e atualmente está com uma taxa anual de 95%.

A Venezuela — cujo presidente Nicolás Maduro disse que seu país estava pronto para apoiar uma iniciativa como uma moeda comum — sofre com uma hiperinflação ainda maior e com o colapso econômico.

É por conta disso que o plano público de Haddad é criar condições para trocas comerciais sem o uso do dólar — e sem necessariamente criar uma moeda comum, mas mecanismos de financiamento às exportações/importações.